top of page
Logo-brand+design_2019.png

MINDFULNESS

No Livro I de “Odes”, escrito em latim, o poeta romano Horácio (65 a.C. – 8 a.C.) aconselha sua amiga Leucone: “––Carpe diem, quam minimum credula postero”. O que ele provavelmente quis dizer foi: “––Colha o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. Influenciado pelo epicurismo, Horácio defendia que a vida era breve e a beleza, perecível. Como a morte era a única certeza, o presente deveria ser aproveitado intensamente. Assim, carpe diem, esse sentido efêmero da vida foi amplamente explorado pela literatura durante o Renascimento e o Maneirismo. Pois a vida ganhou dimensões de futuro e elementos como metas, dinamismo, desempenho e sucesso levaram as pessoas a gradativamente abandonar o “aqui” e o “agora” em busca da onipresença e do sucesso ainda por vir. Com isso, o prazer e a leveza perderam espaço para a ansiedade e a insegurança, levando cada vez mais pessoas aos consultórios terapêuticos e às drogarias. Uma postura alternativa e mais saudável, no entanto, parece vir do Oriente, na forma da plena consciência dos pensamentos, sentimentos, sensações físicas e do ambiente, momento a momento. O conceito original dessa filosofia, mais profundo, invoca uma atitude caracterizada principalmente pela “aceitação” ––atenção dos pensamentos e sentimentos sem jugar se são errados ou certos. Incorporar essa atitude no cotidiano requer estudo e treinamento, mas o esforço traz muitas recompensas para o bem-estar e para a realização nas mais diversas esferas da vida.

CONCEITO/APLICAÇÃO

 

Não raramente, as pessoas vivem seu cotidiano presas a categorias, apoiadas em ideias e distinções rígidas, criadas no passado (masculino/feminino, jovem/velho, fracasso/sucesso, etc.). Também comumente, as pessoas operam por comportamentos automáticos, consequentes de hábitos e tendências vividas ou observadas (comer muito e rápido, não ouvir, uso do smartphone em tempo integral, etc.), bem como do excesso de conhecimento teórico-especulativo (ideologias fundamentalistas, preceitos polarizados, etc.), o que as deixam em estado de rigidez funcional, dependentes do contexto preestabelecido e alheios às novas possibilidades. Em geral, essa postura frente à vida se traduz no foco em uma única perspectiva, levando a pessoa a agir e reagir como se houvesse uma única forma, uma única regra. A isso dá-se o nome de mindlessness (mind = consciência, less = sem).

 

Viver em mindlessness pode reduzir a qualidade de vida e a própria longevidade!

 

O médico especialista em psicobiologia do estresse e do envelhecimento, Dr. Juan Hitzig, estudou as características de alguns longevos saudáveis e concluiu que além das características biológicas, o denominador comum entre todos está em suas condutas e atitudes e a vida em mindlessness facilita as condutas do tipo “R”, caracterizadas por rigidez, rotina e repressão, e que geram atitudes também do tipo “R”, como raiva, rancor e resistência. Os pensamentos envolvidos nessa combinação produzem emoções que promovem a secreção de cortisol, um hormônio que literalmente “corrói” as células em todo o corpo e promove o envelhecimento precoce.

 

Opostamente a esse cenário, mindfulness remete ao estado de plena consciência, no qual o indivíduo encontra-se explicitamente ciente do contexto e das informações com as quais está envolto interna e externamente (pensamento e ambiente). Tal fenômeno ocorre somente quando a mente está aberta à novidade e ativamente constrói as categorias e distinções em referência e respeito ao momento, seu contexto e os impactos aplicados e percebidos. Mindfulness requer foco no momento presente, presença integral de mente e corpo, ausência de julgamentos, aceitação das coisas e pessoas exatamente do jeito que elas são e estão, compaixão, desapego, sentimento de paz e equanimidade (serenidade de espírito).

 

A vida em mindfulness estimula as condutas do tipo “S”, caracterizadas por práticas tais como serenidade, silêncio, sabedoria, sabor, sexo, sono e sorriso, as quais, por sua vez, implicam em atitudes do tipo “A”, como ânimo, amor, apreço, alinhamento, amizade, assimilação e aproximação. Os pensamentos resultantes dessas condições mobilizam os circuitos hormonais para a produção de dois importantes neurotransmissores: a serotonina, que regula o sono, o humor e a saciedade, e a dopamina, que atua no controle dos movimentos, da memória e da sensação do prazer. Além do impacto físico e mental altamente positivo, a prática do mindfulness aumenta consideravelmente as potencialidades do indivíduo e sua autoconfiança, com benefícios diretos nos relacionamentos e no desempenho profissional e acadêmico. Essa condição ainda tem impacto significativo no sistema imunológico e consequentemente no aumento da longevidade através da melhor qualidade de vida.

 

Consciência é a chave de todas as transformações!

HISTÓRIA

 

Mindfulness é uma prática presente em várias religiões e tradições seculares, como o Hinduísmo, o Budismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Yoga e, mais recentemente, a meditação fora da religião.

 

Há considerável controvérsia quanto a sua verdadeira origem seja no Oriente ou, posteriormente, no Ocidente, onde é verificável a forte influência das tradições Budistas e Hindus. Um possível ponto de partida para a prática ocidental do mindfulness é a psicóloga clínica e cristã praticante, Leisa Aitken. Todavia, a maior influência na difusão dessa prática em terras ocidentais foi provavelmente Jon Kabat-Zinn, fundador do Centro de Mindfulness da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, em Worcester, nos EUA, e do Instituto Oasis para Educação e Treinamento Profissional Baseado em Mindfulness e criador do Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR – Mindful-Based Stress Reduction).

 

Kabat-Zinn estudou e aprendeu mindfulness com diversos mestres budistas, inclusive Thich Nhat Hanh, talvez a figura mais influente e popular dessa prática no Oriente atual). A integração de sua sólida formação nas fundações da cultura oriental com a ciência ocidental foi um aspecto crucial para a popularização da prática de mindfulness no Ocidente.

 

Kabat-Zinn definiu mindfulness como um recurso interno do qual todas as pessoas dispõem e seu programa de redução de estresse (MBRS) serviu de inspiração para ou importante programa para tratamento de DDM (Distúrbio Depressivo Maior): a Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT – Mindfulness-Based Cognitive Therapy). Essas e outras integrações entre ciência e mindfulness contribuíram para a popularização dessa prática principalmente entre as audiências acostumadas com a ciência ocidental e alheias às práticas orientais. Em 1992, por exemplo, Ellen Jane Langer descreveu academicamente os princípios do mindfulness em sua pesquisa original publicada como o artigo “Questões da mente: mindfulness/mindlessness em perspectiva”, na terceira edição do volume 1 do respeitado periódico Consciência e Cognição. Seus profundos estudo sobre o tema foram de grande relevância e tiveram amplo destaque, visto que Langer foi a primeira mulher a ocupara uma cadeira titular permanente como professora de psicologia na Universidade de Harvard, em 1981.

 

Importante ressaltar que, mesmo que configurem um obstáculo à compreensão mútua de valores, as extremas diferenças culturais entre o Ocidente e o Oriente foram paradoxalmente um atrativo ao se tratar da melhoria da saúde e da qualidade de vida por meio da prática do mindfulness. Em uma apresentação para o TED Talks, em Mysore, Índia, em 2009, o indiano Devdutt Pattanaik falou sobre as diferenças entre as duas culturas e suas implicações para os negócios. O sentido das diferenças nas ideologias, crenças e as lógicas entre culturas distintas, muito bem ilustradas pelo palestrante, ajudam na compreensão da filosofia por trás do mindfulness.

 

Fora do círculo acadêmico, Jack Kornfield, Sharon Salzberg, e Joseph Goldstein tiveram um papel crucial na introdução da prática de mindfulness no Ocidente ao fundar a Sociedade da Percepção pela Meditação (Insight Meditation Society – IMS), em 1975. A combinação entre o trabalho do IMS e do MBSR levaram as ideias e a prática de mindfulness tanto para o ambiente clínico quanto para os círculos de desenvolvimento pessoal, resultando em sua atual popularidade, principalmente nos Estados Unidos.

 

No Brasil, os mais ativos promotores da cultura mindfulness são os instrutores de Yoga e os Budistas, que trazem a prática sempre associada à meditação e ainda com relativa distância do mundo acadêmico. Entretanto, com o aumento da popularidade e do interesse nos resultados da sua prática regular, muitas empresas estão introduzindo o mindfulness em suas rotinas organizacionais tanto como redutora do estresse quanto promotora de melhor desempenho funcional.

_____________

bottom of page